[Resenha] As mil faces de Joana e a universalidade do feminino
Romance de estreia de Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem é considerado como um dos mais profundos da carreira da escritora
Perto do Coração Selvagem é o romance de estreia da carreira de Clarice Lispector. Lançado em dezembro de 1943, o livro impressionou críticos e colegas da autora por tamanha beleza e profundidade contidos na escrita de uma jovem estudante de Direito no alto de seus 23 anos incompletos. Não à toa, a obra foi premiada como “melhor romance de estreia” pela Fundação Graça Aranha, em outubro de 1944.
Na vã tentativa de decifrar o inexplicável nas linhas do romance, muito se especulou sobre as possíveis referências de Clarice, que passavam por Virginia Woolf e James Joyce. No entanto, a única influência assumida pela escritora na produção do romance remete à Herman Hesse, com o livro O Lobo da Estepe. Nesse sentido, a proximidade entre as obras se dá não por similaridades estilísticas, mas por um mesmo desejo compartilhado pelos dois autores: a busca por uma verdade interior.
“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.” Tal frase sintetiza os desejos que regem a vida de Joana, protagonista do romance. Dividida em duas partes, a obra percorre a trajetória da mulher desde a infância órfã dos pais ao enclausuramento das relações que irão permear a sua vida adulta.
Dos anos que viveu no internato ao casamento com Otávio, Joana insiste em perseguir algo que aparentemente lhe pertence, ainda que não saiba muito bem o que. Com o passar dos anos, a vida da personagem se mostra cada vez mais intensa e, em certos momentos, pouco se difere da morte. As tensões que atravessam o seu corpo dizem respeito às relações que mantém com a sua existência, com o outro e, especialmente, com o feminino. Em seu interior, tal aspecto pulsa tão intensamente que ela sente como se “suportasse a feminilidade de todas as mulheres”.
Através de Joana, a autora expõe toda a universalidade e o sui generis que mediam a experiência da mulher na sociedade moderna. A ousadia e o ineditismo na abordagem da autora fazem com que, já no primeiro romance, Clarice tenha se consagrado como uma das maiores escritoras de língua portuguesa de todos os tempos.
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