[Resenha] “Arruaças” exalta a filosofia que vem das ruas e terreiros do Rio
Lançado em 2020, “Arruaças: uma filosofia popular brasileira” versa sobre o pensamento produzido no país através das experiências e trajetórias
No livro “Arruaças: uma filosofia popular brasileira” (Editora Bazar do Tempo), os escritores, professores e pensadores cariocas Luiz Antonio Simas, Luiz Rufino e Rafael Haddock-Lobo partem dos saberes presentes nas ruas e suas encruzilhadas, nos terreiros e nas trajetórias dos malandros, Pombagiras e boiadeiros para defender a existência de uma autêntica filosofia popular brasileira.
Dividida em capítulos curtos, reunidos conjuntos chamados de “Fundanga”, “Quizumba” e “Cafofo” e finalizada com um glossário, a obra esmiúça as sabenças de uma cultura do contra-ataque produzida pelos nossos ancestrais através das brechas e do drible diante de uma vida marcada pelas adversidades e a colonização dos pensamentos e dos corpos; cultura essa que nos forma verdadeiramente como povo brasileiro.
Através de suas páginas, conhecemos a filosofia presente nas festas de rua do subúrbio carioca, nos cantos e tambores – dos terreiros à avenida – e no caminhar de figuras basilares em nossa formação enquanto país como Clementina de Jesus, também conhecida como Rainha Quelé, Madame Satã, Joãozinho da Gomeia e Garrincha.
Arruaças, como foi muito bem dito a professora Janaína Damasceno, “inscreve a legitimidade de nosso pensamento” e nos coloca de igual para igual diante de uma concepção eurocêntrica de filosofia, defendida por autores como o francês Gilles Deleuze.
Aliás, falando em França, aprendemos no capítulo “Beauvoir no terreiro”, escrito por Rafael Haddock-Lobo, que foi no terreiro de João da Gomeia, na Baixada Fluminense, que Simone de Beauvoir se encantou pela macumba e com a alcunha de “filha da Gomeia”, passou a vir ao Brasil anualmente para a festa da dona dos ventos.
Uma verdadeira ode à felicidade guerreira, Arruaças acena para um Brasil que nada contra a corrente desde a sua fundação, sobrevive nas brechas e transforma dor em samba, suor e poesia e acredita no encantamento como única maneira de superar um projeto de país que já nasceu fadado ao fracasso.
Curtiu a proposta de “Arruaças”? Então conheça outras obras escritas pelos três autores do livro.
Flechas no tempo, Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino
Partindo do princípio de que o contrário da vida não é a morte, Flechas no tempo foi escrito com a palavra encaboclada e o olhar atento à labuta das iaôs que cobrirão com folhas de pitangas o nosso solo fértil, macaia das solidões compartilhadas. O livro de Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino parte de um desafio e de uma constatação: ou escutaremos e falaremos com outras vozes ou nos calaremos pra sempre.
Fogo no mato: A ciência encantada das macumbas, Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino
Em Fogo no mato: A ciência encantada das macumbas, Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino propõem uma interpretação do Brasil a partir do conhecimento acumulado na macumba e em outros saberes populares. Nesse conjunto de ensaios, os autores afirmam que no Brasil terreiro, os tambores são autoridades e o solo do terreiro Brasil é o lugar onde está plantado o axé, chão que reverbera vida.
O corpo encantado das ruas, Luiz Antonio Simas
Em O Corpo Encantado das Ruas, Luiz Antonio Simas fala sobre a riqueza dos saberes, práticas, modos de vida, visões de mundo das culturas presentes nas ruas. Para Simas, as ruas são lugares de encontros improváveis e suas tramas confundem-se com a escrita da cidade. O livro trata de reinventar afetos e significados para que o povo jamais deixe de ocupar as ruas.
Para um pensamento úmido, Rafael Haddock-Lobo
Para um pensamento úmido retoma duas grandes dificuldades da filosofia. De um lado, a indeterminação do conceito, em que a escolha do úmido serve como metáfora da travessia interminável do pensamento. De outro, a contingência das ideias, em que a escolha da aposta serve como uma maneira de acercar-se do abismo da fé, da alteridade e do devir.
Pedagogia das Encruzilhadas, Luiz Rufino
Em Pedagogia das Encruzilhadas, Luiz Rufino lança o olhar pelo cruzo entre as sabedorias ancestrais que ao longo de séculos foram produzidas como descredibilidade, desvio e esquecimento. Para isso, o autor se inspira nas lições passadas por aqueles que foram aprisionados nas margens da história para firmar como verso de encante a defesa de que a condição do Ser é primordial à manifestação do Saber.
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