[Resenha] Luiz Schwarcz retrata depressão em “O ar que me falta”
Editor da Companhia das Letras conta como descobriu bipolaridade e mostra sua relação com a família e o trabalho
Lançado em fevereiro, O ar que me falta, de Luiz Schwarcz, já é um dos livros mais comentados no meio literário brasileiro em 2021. Nesta autobiografia, o editor e fundador da Companhia das Letras reúne situações emblemáticas de sua vida, desde o passado da família durante a Segunda Guerra Mundial até suas crises depressivas e o momento em que descobriu o transtorno de bipolaridade.
Húngaro, o pai de Schwarcz, André, escapou sozinho de um trem a caminho do campo de extermínio de Bergen-Belsen, no período nazista, mas seu avô, Láios, ficou para trás e morreu na guerra. Já a sua mãe, Mirta, teve que decorar um novo nome, falso, aos três anos, para embarcar com a família a outro país. André e Mirta se encontraram no Brasil, com as lembranças dolorosas do passado trágico a pesarem sobre a nova vida.
Desde a infância, Schwarcz lida com o passado da família e carrega a culpa do pai em não ter conseguido salvar o avô do campo de extermínio. Na juventude, sentia-se o responsável por salvar o casamento dos próprios pais, mas era um relacionamento marcado por silêncios e incompatibilidade. Em um dos trechos, ele narra como foi a separação dos pais.
“Depois da separação consumada, meus avós passaram a atuar para que uma reconciliação não acontecesse. Chegaram a recorrer a vizinhos, dos dois prédios onde moramos durante esse período, para verificar se meus pais se encontravam. (…) Ao se casarem, Mirta tinha 18 anos e André, 30. Meu avô tentou evitar aquela união precoce”, conta.
Depressão e bipolaridade
De forma muito sutil, detalhada e sem rodeios, Schwarcz relembra seus episódios de depressão e de descontrole, desencadeados por causa do transtorno bipolar. O editor mostra todo o processo que percorreu, durante anos, desde que descobriu o diagnóstico bipolaridade até a acertar os remédios e os tratamentos com psicólogos e psiquiatras.
“Alguns sinais de descontrole começam a aparecer nos tempos do Luizão, na casa dos meus pais, principalmente em brigas com a Mirta. Eu me enfurecia também por motivos menores, como uma vitrola que cismava em parar de tocar antes da última faixa do disco ou uma cadeira giratória que se desenroscava sozinha. Quebrei o aparelho de som com um golpe de caratê, e chutei o vidro da janela do meu quarto com uma meia voadora”, cita em um dos trechos.
Na autobiografia, ele reforça também a importância da família em seu dia a dia, principalmente da esposa, a historiadora e também fundadora da editora, Lilia Schwarcz, e dos dois filhos, Júlia e Pedro. O editor conta, por exemplo, quando teve uma crise bem forte de depressão e precisou continuar o tratamento em casa, com auxílio de um enfermeiro. “A dedicação da Lili, Júlia e Pedro era comovente. Eles me davam tudo o que podiam. Chorávamos juntos em alguns dias, mas na maioria das vezes elas e ele se mantinham fortes, mesmo me vendo naquele estado inconsolável”, relembra.
Se, no passado, para mim era penoso conviver com pais que precisavam da minha ajuda, não foi fácil para eles encarar a mudança brusca, de um pai quase autossuficiente para alguém destroçado”, relembra.
Com esses relatos, nos comovemos com a trajetória do editor da Companhia das Letras e nos aproximamos da sua história. Ele humaniza a doença, a deixa mais palpável e tira qualquer estigma que ainda tenhamos sobre o transtorno. O ar que me falta, sem dúvidas, já é um dos destaques da literatura brasileira de 2021.
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O demônio do meio-dia – Uma anatomia sobre a depressão, de Andrew Solomon
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Talentosa e promissora, Esther Greenwood sai do subúrbio de Boston para trabalhar em uma prestigiosa revista de moda em Nova York. No momento de transição para uma vida cheia de responsabilidades e novos desafios, Esther entra em colapso devido ao desenvolvimento de um quadro depressivo. Assim como a protagonista, a autora deste livro também foi uma jovem brilhante que viu tudo ao seu redor desmoronar.
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Uma das trágicas ironias da vida pós-moderna é que muitas pessoas se isolam umas das outras por causa de sentimentos que têm em comum, como o medo de fracassar e a sensação de não serem boas o bastante. Brené Brown lança luz sobre esses recônditos da sensibilidade humana e revela como esses sentimentos podem minar suas realizações nos estudos, no trabalho e no lar. Ela mostra também como eles podem ser transformados para nos ajudar a viver com mais coragem, comprometimento e propósito. Quando fugimos de emoções como medo, mágoa e decepção, também nos fechamos para o amor, a aceitação, a empatia e a criatividade.
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De tempos em tempos, surge um livro que, com sua maneira original de iluminar importantes temas espirituais, se torna um fenômeno tão grande em seu país de origem que acaba chamando a atenção e encantando leitores de todo o mundo. Escrito pelo mestre zen-budista sul-coreano Haemin Sunim, As coisas que você só vê quando desacelera é um desses raros e tão necessários livros para quem deseja tranquilizar os pensamentos e cultivar a calma e a autocompaixão.
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Baseada em sua ampla experiência clínica em comportamento humano e psiquiatria, além de estudos e pesquisas recentes, Ana Beatriz Barbosa desmistifica a doença considerada um problema de saúde pública. Com linguagem envolvente e acessível a um público amplo, a autora aborda a depressão de maneira inovadora por meio das dimensões que a estruturam, a física, a mental e a espiritual. Pesquisas comprovam que os índices de pessoas acometidas por quadros de depressão clínica aumentam a cada ano. Contudo, a falta de informação sobre o assunto impede o diagnóstico e impossibilita o tratamento adequado e eficaz contra o sofrimento crônico.
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