[Resenha] “Canção de ninar” é um retrato perturbador da vida de mulheres
Na obra, escritora franco-marroquina Leila Slimani fala sobre maternidade, papel da mulher na sociedade e diferenças de classes sociais
O livro Canção de ninar choca os leitores logo de início. Vencedor do Prêmio Goncourt, o thriller da autora franco-marroquina Leila Slimani conta a história de uma babá que mata duas crianças após ficar obcecada pela rotina dos patrões. Mas fique tranquilo, leitor, isso não é um spoiler. Além de o fato ser revelado logo na sinopse, a obra já começa com a frase emblemática: “o bebê está morto”.
De forma brutal, a trama começa com a cena de um menino morto, com sua irmã agonizando e uma empregada caída com um profundo corte no pescoço. No entanto, o principal objetivo da escritora não era abordar apenas uma história de infanticídio, e sim o que levou a babá a cometer tal crime.
Hoje ela voltou mais cedo. (…) Mila pediria um brinquedo. Adam chuparia uma casquinha de pão sentado no carrinho. Adam está morto. Mila não vai resistir.”
Louise foi contratada pelo casal depois de um rigoroso processo seletivo. Mãe das crianças, Myriam estava exausta da rotina da maternidade e decidiu voltar a trabalhar em um escritório de advocacia. Apesar da relutância do marido, os dois foram em busca de uma babá perfeita e encontraram Louise, que se mostrou dedicada, educada e discreta.
Com o passar do tempo, a empregada tornou-se indispensável aos patrões, que viram um conforto nessa profissional “perfeita” e subserviente. Esse comportamento de Louise pode ser observado pela descrição minuciosa feita por Leila Slimani na obra. Até mesmo a vestimenta da babá é certinha: ela é quase uma boneca, com unhas enfeitadas, maquiagem bem feita e roupa azul.
Escrito na terceira pessoa e com capítulos curtos – o que deixa a narrativa mais perturbadora e tensa -, Canção de ninar expõe algumas problemáticas do mundo contemporâneo e traz como ponto central o sofrimento de mulheres. A escritora Leila Slimani provoca uma reflexão nos leitores e mostra uma história atemporal, que poderia ocorrer dentro de qualquer residência.
Um dos pontos principais é o dilema da maternidade. Além da preocupação em relação à educação dos filhos, as mulheres são colocadas em segundo plano e não recebem um apoio psicológico ideal para lidar com esse momento.
Em muitos casos, elas são culpadas por não darem atenção aos filhos por causa do trabalho. Mas também são criticadas caso abandonem a profissão para cuidar da família. Nem sempre os parceiros ajudam na educação das crianças e na organização da casa, o que aumenta ainda mais a pressão em cima das mães.
Ela temia os desconhecidos. Os que perguntavam inocentemente com que ela trabalhava e se constrangiam à menção de uma vida no lar.”
De outro lado, há a humanização da vida de Louise, a assassina das crianças. Em paralelo à “perfeição” como empregada, ela revela-se uma pessoa oprimida e à margem da sociedade por causa de sua classe social. O thriller reflete outro problema da contemporaneidade: os patrões, inseridos na classe alta da sociedade, delegam a educação dos filhos às babás, enquanto exercem suas profissões e vivem uma rotina burguesa.
Por toda a vida, para se sustentar, Louise precisou dar mais atenção aos filhos dos outros do que para a sua própria filha, Stéphanie. O romance mostra a relação conflituosa entre ela e a menina, que se sentia excluída nos eventos infantis realizados pelos patrões de sua mãe e que ainda ajudava como cuidadora das crianças. Ao mesmo tempo, Louise lidava com problemas financeiros e uma vida turbulenta com o seu marido, Jacques, que era apático e não dava suporte à esposa.
Aos oito anos, Stéphanie sabia trocar fraldas e preparar uma mamadeira. (…) Quando Stéphanie era criança, sua mãe, Louise, cuidava de bebês em sua casa. Ou melhor, na casa de Jacques, como este fazia questão de lembrar.”
Sobre a autora
Nascida no dia 3 de outubro de 1981, no Marrocos, a jornalista Leila Slimani passou a morar na França aos 17 anos, quando começou a estudar no Instituto de Estudos Políticos. Ao escrever Canção de ninar, a autora inspirou-se em sua própria experiência e em um caso que ocorreu, em 2012, em Nova York. Na ocasião, uma babá matou dois irmãos e tentou o suicídio depois do crime.
Neste ano, a autora foi uma das convidadas da programação oficial da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip 2018). Ao lado do escritor André Aciman, de Me chame pelo seu nome, a franco-marroquina falou sobre sua obra e relações familiares.
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“O espaço doméstico é político. Como preservamos a nossa intimidade? Não conhecemos os outros e uma parte nossa também fica inacessível a eles. Precisamos nos moldar na sociedade e até na nossa vida doméstica”, disse.
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