A educação em tempos de isolamento social
Diante da epidemia do Covid-19, Rio de Janeiro suspende aulas presenciais e futuro do ano letivo nas escolas e universidades ainda é uma incógnita.
Em um decreto assinado no dia 13 de março, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), determinou, entre outras medidas, a suspensão das aulas das redes pública e privada por 15 dias. A definição foi motivada pelo surto de Covid-19, provocado pelo novo coronavírus. Posteriormente, Witzel renovou o decreto, prorrogando a quarentena no estado até o dia 30 de abril. Enquanto isso, escolas e universidades do Rio permanecem fechadas.
Diante da determinação do governo, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) anunciou que daria prosseguimento às aulas no modelo de educação à distância (EAD). Além disso, a Seeduc informou que os dias de paralisação das aulas por conta do coronavírus não devem afetar os 200 dias letivos, já que o período corresponde ao recesso escolar de julho, antecipado como medida de prevenção.
Por meio de uma nota, o Ministério da Educação (MEC) informou que mantém diálogo constante com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e demais entidades das comunidades escolar e acadêmica. Em parceria com o Consed, o MEC criou o Comitê Operativo de Emergência (COE) para “estabelecer medidas conjuntas que sejam as mais assertivas neste momento de enfrentamento à pandemia do coronavírus”.
As aulas online na prática
No dia 30 de março, a Secretaria de Educação iniciou as atividades à distância, em parceria com a plataforma Google For Education. De acordo com a Seeduc, o acesso à rede e aos conteúdos seria gratuito e não consumiria dados de internet. Além disso, um tutorial para utilização da plataforma seria disponibilizado para professores e alunos nas redes sociais da secretaria.
Desde então, o momento nas escolas do Rio de Janeiro têm sido de adaptação. No colégio particular Ponto de Apoio, localizado no bairro do Alto do município de Teresópolis, essa será a segunda semana de aulas desde a implementação das plataformas no meio digital. De acordo com Rooseveltt Lima, coordenador pedagógico e professor de Sociologia e Filosofia do Ponto de Apoio, antes de iniciarem os testes com o modelo EAD, os profissionais do colégio estudaram a fundo as melhores possibilidades de plataformas.
Para Vanessa Parisi, coordenadora pedagógica e professora de Literatura e de Inglês da escola, até agora o saldo das aulas tem sido positivo e o resultado do novo formato é melhor do que o esperado inicialmente. Contudo, na visão de Farley Souza, coordenador pedagógico e professor de Geografia do colégio, o futuro dos encontros online ainda é uma incógnita para todo mundo.
“Por enquanto, nós tivemos apenas quatro dias de teste com o EAD funcionando. Por isso, é difícil nós darmos um parecer seguro de como esse modelo irá se desenvolver. Até mesmo porque nós não enxergamos as aulas à distância como um formato capaz de substituir o presencial, mas como uma ferramenta complementar”, afirmou.
No município do Rio de Janeiro, a situação da educação é semelhante. A Prefeitura informou que adota as medidas de isolamento socialrecomendadas pela comunidade médico-científica, mas mantém o foco na educação disponibilizando conteúdo pedagógico online para os alunos. Atualmente, a rede municipal conta com cerca de 650 mil alunos nos segmentos da pré-escola, ensino fundamental e educação de jovens e adultos, matriculados em mais de 1.540 unidades escolares.
Na Escola Municipal Pastor Miranda Pinto, localizada na Zona Norte do Rio, as aulas foram retomadas no final de março. De acordo com a coordenadora do colégio, Jacqueline Kopke, na fase inicial da implementação do método a equipe enfrentou alguns problemas, já que nem todos os professores e alunos tinham acesso às tecnologias e à Internet.
No entanto, como complementa Jacqueline, essa situação já começou a ser contornada. Nesse momento, os alunos já se adaptam melhor ao novo modelo de aulas e elogios dos responsáveis à organização do colégio têm sido constantes.
“Hoje, a escola tem em torno de 430 alunos e, desse total, 315 alunos já estão na plataforma. O número é bom, mas ainda não é o ideal. De toda forma, eu continuo tentando contato com os alunos que ainda não conseguiram acesso. Enquanto isso, nós estamos propondo revisões, reforços e trabalhos para tentarmos mantê-los ativos nesse período”, destacou.
A rotina dos professores
A professora de Língua Portuguesa, Camilla Borges, dá aulas em duas escolas particulares no Rio de Janeiro. Para Camila, a adaptação das aulas ao ambiente virtual não foi tão difícil, uma vez que ela já desenvolve um trabalho com aulas no YouTube e no Instagram, e, por isso, conhece minimamente algumas das ferramentas.
Contudo, essa não é a situação de todos os profissionais. De acordo com Camila, grande parte dos educadores não tinham experiência prévia com as plataformas e precisaram se adaptar rapidamente ao modelo EAD. Nesse sentido, ela explica que há um importante movimento sendo realizado por iniciativa dos educadores que já trabalham com o ambiente virtual em auxiliarem colegas que apresentem dificuldades com o novo formato.
A professora destaca que o movimento de adaptação das aulas é necessário tanto para o aprendizado dos alunos como para que as escolas consigam se manter e continuem pagando os seus funcionários. Além disso, ela ressalta que a compreensão e a flexibilidade dos coordenadores dos colégios em que trabalha têm sido essenciais para que ela se mantenha firme nesse momento.
“Para além dos salários dos professores, é importante que as escolas consigam pagar também os salários dos seguranças, das tias da cantina, dos inspetores. Por isso, eu entendo que o meu trabalho é importante não só para a garantia do meu próprio emprego, mas pela sobrevivência de toda a comunidade escolar”, concluiu.
Para a professora de Literatura e Português, Ana Paula Negreiros, a experiência das aulas no ambiente online é um desafio. Ela trabalha em três escolas: uma no município do Rio, uma estadual e uma da rede particular, ambas em Teresópolis. De acordo com Ana Paula, cada um dos colégios adota um método diferente de ensino à distância e, por isso, o processo de adaptação tem sido bastante cansativo para ela.
“Diante do desgaste físico e mental, eu procuro manter a serenidade e focar nos aprendizados que a situação tem para nos oferecer. É claro que eu fico preocupada, pois tudo ainda é muito incerto. Enquanto professora, eu considero que estou encarando a situação de maneira esperançosa, com expectativas a respeito do que virá”, afirmou.
Uma grande preocupação para Ana são os alunos que possivelmente não conseguirão acessar o novo modelo de aulas até o fim do período de isolamento social. Para ela, esse é um aspecto que deve ser tratado como prioridade pelas escolas e secretarias de educação. Sobre isso, a Seeduc afirmou que vai imprimir e entregar o material didático para estudantes que tenham dificuldade ou não tenham acesso à internet. Porém, a medida ainda não foi colocada em prática pela secretaria.
A adaptação dos alunos
Com a mudança na dinâmica das aulas e a transposição dos encontros presenciais para as plataformas digitais, a rotina de crianças e jovens sofreu diversas modificações. Mas, então, como será que os alunos têm se adaptado a esse formato de ensino?
Julia tem 8 anos e estuda no terceiro ano do Ensino Fundamental no Centro Educacional da Lagoa (Cel). De acordo com a mãe da menina, a coordenadora de relacionamento com o cliente, Silvia Zancope, nesse momento, o Cel já conseguiu atingir um modelo de aulas satisfatório e a filha está reagindo muito bem à nova rotina.
“Todas as aulas da Julia foram mantidas e ela está adorando. Esse é um momento em que nós, adultos, precisamos nos manter por perto para orientar as crianças. O meu papel como mãe é mostrar para ela que é muito importante que ela não perca a disciplina e o compromisso com os conteúdos apresentados pelos professores”, ressaltou.
Por outro lado, para a coordenadora de recursos humanos, Erika Falcão, a experiência com as aulas à distância não tem sido tão fácil. Ela tem dois filhos, um matriculado no berçário e o outro no maternal na Creche Escola Florescendo. Segundo Erika, mesmo que os professores estejam enviando atividades para serem desenvolvidas com as crianças, ela não está conseguindo dar conta.
“Tem sido muito difícil de acompanhar isso tudo pois continuo trabalhando. Mas acho que para mães, pais e cuidadores que têm tempo de realizar as atividades, essa é uma ótima ideia. Em todo caso, o colégio deles não está nos pressionando de modo nenhum. Então, para mim, está tudo bem”, explicou.
A Débora Martins é estudante no curso de Biblioteconomia da UNIRIO. Diante do decreto do governo estadual, a universidade suspendeu o calendário de aulas e ainda não se pronunciou quanto ao retorno do semestre letivo. De acordo com ela, alguns alunos estão se organizando de forma independente para prosseguirem com os estudos de conteúdos ligados ao curso. No entanto, o clima geral é de apreensão.
“Até agora nada foi divulgado com relação ao retorno das aulas. O semestre permanece cancelado e os alunos estão bastante preocupados com a ausência de informações. Mesmo assim, nós todos sabemos que o isolamento social deve ser prioridade nesse momento e seguimos aguardando por atualizações”, afirmou.
O estudante de Psicologia da Universidade Santa Úrsula, Marcelo Bandeira, continua tendo aulas, mas no modelo à distância. Bandeira avalia que, embora a continuidade do período seja importante, o nível de exigências cobrado pelos professores no ambiente virtual tem sido superior ao dos encontros presenciais. Ele explica que, por esse motivo, alguns alunos não estão conseguindo acompanhar o ritmo das aulas.
“Esse é um momento em que todos estamos frágeis. Por isso, os alunos estão se organizando para tentar sensibilizar os professores a respeito do caráter atípico do período. Ao contrário de tantas cobranças, as pessoas precisam de escuta e de um acolhimento que amenize as suas angústias”, ressaltou.
Para saber mais detalhes sobre a situação das universidades e instituições federais no período da epidemia de coronavírus, o blog da Estante Virtual procurou a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem.
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