[Entrevista] A literatura de Tobias Carvalho
Escritor conquistou o Prêmio Sesc de Literatura 2018 com o livro As coisas. Confira a entrevista completa!
Com apenas 22 anos, o escritor Tobias Carvalho tornou-se um dos principais nomes da literatura contemporânea brasileira. Em 2018, ele conquistou o Prêmio Sesc de Literatura com seu livro de estreia, As coisas, ao lado da autora Juliana Leite, que venceu na categoria romance. Os 23 contos da obra narram vivências de um jovem homossexual, que viaja, trabalha, estuda e passa horas em aplicativos de encontros sexuais.
Escritos de forma direta, os textos relatam, sem meio-termo, as angústias, as tristezas e as descobertas do personagem. Um dos textos mais marcantes é O pai, no qual o jovem relembra o momento em que revelou ao pai que era homossexual. “Aconteceu pela primeira vez quando contei para ele, porque quis esquecer de onde eu vim. Não realizei o ímpeto exatamente como eu tinha pensado no início, mas de outras formas”.
Vi teu choro, quando tu ainda estava sentado e tua agressividade, toda liberta pelo corpo nos gestos, quando tu quase veio pra cima de mim. Parou porque por um momento conseguiu se lembrar de me olhar. Deve ter visto medo, não raiva”.
Hoje, com 23 anos, Tobias planeja lançar seu segundo livro, que agora será um romance, em 2020. Em entrevista ao Estante Blog, o escritor falou sobre a temática LGBTI no meio literário atual e sua relação com a literatura. Confira!
- Quando e por que você começou a escrever? Em quais escritores você se inspira?
Comecei a escrever ficção fazendo oficina de escrita criativa, que foi onde me habituei à disciplina de escrever, lá pelos 17 anos. Minhas referências antes costumavam ser mais gringas (Jonathan Franzen, David Foster Wallace, Haruki Murakami), mas foi eu descobrir o tanto de brasileiro bom que vem produzindo que meio que esqueci os estrangeiros. Alguns livros 10/10 que li nos últimos tempos: “As perguntas”, Antônio Xerxenesky; “Noite dentro da noite”, Joca Reiners Terron; “Entre as mãos”, Juliana Leite; “Alguns humanos”, Gustavo Pacheco; “Nove noites”, Bernardo Carvalho.
- Como foi o processo de criação do livro “As coisas”? Os contos foram também inspirados nos seus relatos pessoais? O que é ficção e o que é real nos textos?
Gosto de dizer que meu livro é tão ficcional quanto qualquer outro. Na ficção, o escritor parte do que conhece para criar, dar uma versão. Por mais mirabolante que seja a história, existe ali algo que só uma pessoa poderia ter escrito. No meu livro, parece haver certa identificação entre os narradores dos contos e o autor, mas acho que ela é enganosa. Ainda que houvesse o intento de contar histórias que a mim pareciam interessantes (algumas delas baseadas em experiências pessoais), sempre soube que As coisas era um livro de ficção.
- Qual a importância de trazer temas voltados à relações LGBTI para a literatura? Como você vê essa temática no meio literário hoje? O que ainda precisa ser mudado?
Quando escrevi As coisas, uma coisa que martelava minha cabeça é que a representação gay na arte ainda estava muito centrada no tema da aceitação. Existe toda uma complexidade da relação entre dois homens ainda pouco explorada. Se os homens são criados em uma sociedade dominada pelos homens em detrimento das mulheres, e são ensinados desde cedo a desejar sem escrúpulos, me parece lógico que a relação entre dois homens é necessariamente diferente das entre homem e mulher. Talvez por isso, os contos têm essa estética meio seca, em que os personagens não refletem muito sobre o que estão vivendo. Acredito que enquanto a sociedade avança, o espaço para histórias assim se multiplica. É um caminho sem volta.
- Como foi conquistar o Prêmio Sesc de Literatura 2018 aos 22 anos? O que a premiação significou pra você e de que forma o prêmio ainda pode influenciar nas suas futuras obras?
Foi doido. O Prêmio Sesc é uma catapulta. Sem ele, é possível que eu levasse muitos anos até estar em um editora grande, se conseguisse. Acho que a principal diferença é que eu não tinha nenhuma preocupação quando escrevi As coisas. Era só eu e meu computador. Agora, parece que me ponho uma pressão para produzir, e para que o próximo livro seja bom.
- Falando em futuros trabalhos, está escrevendo algum livro atualmente? Pode contar pra gente?
Estou. Parti para o romance desta vez. Sempre tive vontade de me aventurar em uma narrativa mais longa. Ainda não sei aonde ele vai dar. Imagino que até o ano que vem está pronto. O livro é uma narração a partir da galeria de fotos de um celular. Queria entrar mais hard na exploração desse tipo de linguagem. Acho que, desta vez, o projeto é formalmente mais ambicioso.
Você também pode gostar desses livros:
Entre as mãos, de Juliana Leite
Conduzido com precisão e movido por uma poderosa força que impulsiona todo o relato, Entre as mãos gira em torno de Magdalena, uma tecelã que, depois de um grave acidente, precisa retomar seus dias, reaprender a falar e levar consigo dolorosas cicatrizes — não apenas no corpo. Com personagens e tempos narrativos que se atravessam como fios trançados, este romance tem a marca de peça única, debruçando-se sobre questões como sobrevivência e ancestralidade, mas também amor e mistério a partir do corpo, do trabalho e dos gestos da protagonista.
Enquanto os dentes, de Carlos Eduardo Pereira
Um romance urgente sobre intolerância e marginalização de uma nova e potente voz da literatura brasileira. Uma manhã chuvosa no Rio de Janeiro. Antônio, um cadeirante negro de classe média, circula pela cidade enquanto o caminhão que carrega sua pequena mudança se afasta da casa em que ele viveu até então. De metrô, ônibus e balsa, não sem dificuldades, ele se desloca em sua cadeira de rodas capenga em direção à sua nova casa, que de nova não tem tanto assim: endividado e sem outra alternativa, Antônio está voltando à casa da sua infância, à casa do pai, a quem ele não vê há mais de 20 anos.
Oito do sete, de Cristina Judar
Oito do sete: eis, não por acaso, a data que marca o enredo da estreia de Cristina Judar no romance. Não por acaso o dia é oito, número do infinito. Não por acaso o mês é julho, o sétimo do ano. Não por acaso vamos nos inteirando da trama pelos fragmentos narrados por quatro vozes distintas: duas amantes (Magda e Glória), um anjo (Serafim) e uma cidade (Roma). Não por acaso Magda e Glória se entregam a uma relação hétero com Rick e Jonas. Nem por acaso elas se veem como cisternas e os homens como torres. E, não por acaso, aqui os homens são embarcações; as mulheres, terra para que se afundem. Também não por acaso, neste livro, o sentimento é mar; a emoção é onda.
Assim na Terra como embaixo da Terra, de Ana Paula Maia
Com o livro Assim na Terra como embaixo da Terra, a escritora Ana Paula Maia conquistou o Prêmio São Paulo de Literatura 2018, na categoria de melhor romance. Baseada em um conto de Franz Kafka, a obra retrata a história de uma colônia penal situada no Brasil, para onde são enviados os “desgarrados da sociedade”. Eles precisam enfrentar o duro cotidiano no campo de extermínio.
O peso do pássaro morto, de Aline Bei
Em 2018, a escritora Aline Bei conquistou a categoria de estreantes do Prêmio São Paulo de Literatura, com o livro O peso do pássaro morto. Um dos destaques do ano, a obra narra, de forma poética, a vida de uma mulher, dos 8 aos 52 anos, desde singelezas cotidianas até tragédias que persistem nas gerações.
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