[Resenha] Livro dá visibilidade a casos de estupro no Brasil
Em Abuso, a jornalista Ana Paula Araújo reúne depoimentos de vítimas e dados sobre o assunto. Obra é urgente para analisar abusos sexuais
Os números de estupro são alarmantes no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que há um estupro a cada 11 minutos no país e, na maioria das vezes, as vítimas são mulheres. No entanto, estima-se que apenas 10% dos casos são denunciados, já que as vítimas, normalmente, se sentem coagidas, com medo ou até mesmo culpadas pelo crime.
Esses dados foram divulgados no livro-reportagem Abuso – A cultura do estupro no Brasil, da jornalista Ana Paula Araújo. Nesta obra, lançada em outubro, a autora traz dados sobre estupros e abusos sexuais no país, e destaca que as informações sobre os crimes ainda são incompletas nos estados.
Além de muitas vítimas não relatarem os casos às autoridades, as que conseguem forças para denunciar precisam lidar com um processo doloroso, desde os exames até o preconceito de médicos, policiais, parentes e amigos. A cultura do estupro, inclusive, é o ponto de maior destaque do livro.
Ana Paula Araújo mostra de que forma os abusos sexuais são naturalizados no Brasil e como as mulheres são vistas na sociedade depois que são violentadas. As vítimas são ainda mais inibidas quando os casos ocorrem dentro da própria casa com pessoas próximas, como pais, padrastos e tios – o que, segundo a apuração da jornalista, é algo bem recorrente no país. Em muitos desses casos, os abusos sexuais são tão normalizados dentro do ambiente familiar, que a vítima se questiona sobre se o que aconteceu realmente foi um crime.
Estupro é o único crime em que a vítima é que sente culpa e vergonha. Sim, é crime, mas é algo tão comum e normalizado em nosso país (…), que quem o sofre acha que é culpado por ele, uma vez que a sociedade em si também alimenta essa mentalidade.”
Por diversas vezes, as pessoas tentam ainda criar argumentos para justificar o ocorrido. Afinal, quem nunca ouviu as perguntas: “Mas ela estava vestida como? Ela estava andando sozinha na rua durante a noite?”, né? No entanto, não há possibilidade de justificar o injustificável. É preciso reforçar que os únicos culpados dos estupros são única e exclusivamente os estupradores.
Ao longo da narrativa, Ana Paula Araújo também mostra sua força por enfrentar entrevistas cara-a-cara com os criminosos, inclusive por ser mulher, e ouvir relatos tão dolorosos das mulheres violentadas. Abuso é um livro-reportagem essencial para escancarar essas atrocidades, para que cada vez a gente tenha menos casos desse tipo, e dar voz e visibilidade às vítimas, que, por diversas vezes, são caladas e coagidas.
Confira outros livros-reportagem!
Presos que menstruam, de Nana Queiroz
Presos que menstruam é uma grande reportagem sobre o cotidiano das prisões femininas no Brasil, um tabu neste país. Neste livro, Nana Queiroz alcança o que é esperado do futuro do jornalismo: ao ouvir e dar voz às presas (e às famílias delas), desde os episódios que as levaram à cadeia até o cotidiano no cárcere, a autora costura e ilumina o mais completo e ambicioso panorama da vida de uma presidiária brasileira.
A casa, de Chico Felitti
João de Deus desfrutava das bênçãos do establishment. Frequentava festas de políticos, recebia artistas brasileiros e estrangeiros, via filas quilométricas se formarem em frente à casa onde atendia, na pequena cidade de Abadiânia, no interior de Goiás. No fim de 2018, veio a público uma onda de acusações de assédio sexual contra o líder espiritual. Dezenas de mulheres saíram da sombra para contar experiências de abuso e estupro. Em seguida surgiram as denúncias na Justiça. E então o castelo de cartas de João de Deus começou a desmoronar. Este livro mergulha nessa história, mostrando que ela é ainda mais assustadora.
Olga, de Fernando Morais
Este livro conta a história de Olga Benario, judia e comunista, companheira de Luís Carlos Prestes. Grávida, foi entregue pelo governo de Getúlio Vargas à polícia secreta alemã e acabou assassinada nos campos de concentração nazistas.
O pior dos crimes: A história do assassinato de Isabella Nardoni, de Rogério Pagnan
Construído em ritmo de thriller, O pior dos crimes esmiúça o trágico caso que conseguiu estarrecer a opinião pública de um país rotineiramente violento. Em 29 de março de 2008, Isabella, de 5 anos, foi atirada ainda com vida pela janela do sexto andar do apartamento do pai, Alexandre Nardoni, e da madrasta, Anna Carolina Jatobá, na zona norte da capital paulista, e morreu pouco depois de chegar ao hospital.
Todo dia a mesma noite, de Daniela Arbex
Todo dia a mesma noite traz uma reportagem definitiva sobre a tragédia que abateu a cidade de Santa Maria em 2013. A obra relembra e homenageia os 242 mortos no incêndio da Boate Kiss. Neste livro, a jornalista Daniela Arbex reconstitui de maneira sensível e inédita os eventos da madrugada de 27 de janeiro de 2013. Foram necessárias centenas de horas dos depoimentos de sobreviventes, familiares, equipes de resgate e profissionais.
Indefensável: O goleiro Bruno e a história da morte de Eliza Samúdio, de Leslie Leitão, Paula Sarapu e Paulo Carvalho
Escrita como thriller policial, a reportagem disseca a macabra trama planejada e calculada com rara frieza pelo então maior goleiro do Brasil, Bruno, do Flamengo, que resultaria na morte da jovem Eliza Samudio, em junho de 2010. Está tudo lá, desde a concepção da armadilha que capturaria a modelo, a execução do sequestro e o desaparecimento da jovem até o teatro dos julgamentos e a condenação dos responsáveis.
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