Escrita: a arte de inventar palavras
Em um primeiro instante pode parecer estranho que a língua nacional tenha um dia só para ela: 21 de maio – Dia da Língua Nacional. Não. Não é que pareça banal prestar homenagem a ela, é que, presente diariamente em nossas vidas, até mesmo em pensamentos, ela deveria ser homenageada todos os dias. Sua importância é vital. Você só compreende o que está lendo neste momento por causa dela. Nós nos comunicamos e nos expressamos porque criamos um sistema de representação constituído de palavras e regras sobre suas combinações – a língua – que é compreendido por todos – a nação. E, ainda que nossa língua tenha sido trazida pelos colonizadores portugueses há mais de um século e meio atrás, ela nunca ficou imutável. Evoluiu e se modificou a partir da influência e contribuição de muitas outras línguas, como as das nações indígenas, africanas e dos imigrantes que aqui chegaram. E mesmo depois de a língua parecer ter alcançado um patamar máximo de evolução, alguns escritores continuaram inventando a roda, ou melhor, inventando palavras. Considerado um dos mestres em inventar palavras, o autor João Guimarães Rosa poderia ter escrito um imenso dicionário com seus neologismos. Entre os exemplos mais célebres de sua carreira como criador de palavras, está o termo “nonada”, palavra de abertura do romance Grande Sertão: Veredas e que significa “coisa sem importância”, fusão de “non” (do português arcaico) com “nada”. Rosa era um profundo pesquisador da língua nacional. Além de ter criado neologismos, utilizava regionalismos e arcaísmos (palavras já ultrapassadas) em suas obras. Ele não foi o único escritor com a habilidade para criar novas palavras. O irlandês James Joyce, já no início do século XX, tinha na invenção de palavras um marco de suas obras, como Ulisses. Há quem, inclusive, acredite que Joyce foi o grande inspirador do escritor brasileiro. Dante Alighieri foi outro que escreveu sua obra-prima: o livro A Divina Comédia em seu dialeto local. Ao fazê-lo, o escritor italiano promoveu a língua toscana, até então considerada língua vulgar (em comparação ao latim), ao status de padrão para a língua italiana, tal qual a conhecemos hoje. Considerando-se um “manobreiro” de palavras, o poeta Manoel de Barros já declarou que a poesia não é um fenômeno de ideias ou sentimentos, mas de linguagem. Por isso, adota um comportamento de desarrumar palavras. Há quem até chame o poeta de “Guimarães Rosa da poesia”. Em seu Livro das Ignorãnças (1994), Manoel de Barros descreve seu gosto por “fazer defeitos nas frases”. Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. – Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas. . . E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios , não anda em estradas – Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática. Confira algumas das palavras inventadas por Guimarães Rosa e outros escritores:
Sabia que tem leitor também se aventurando na arte de inventar palavras? Já até criaram um Dicionário Informal, abastecido com palavras e expressões cadastradas por usuários. Da próxima vez, que você ler ou ouvir algo que não compreende, vale a pena conferir se você não encontra o significado aqui. E se quiser saber mais sobre a arte de Guimarães Rosa em inventar palavras, em 2001, Nilce Sant’Anna Martins publicou um livro destinado ao estudo do vocabulário empregado pelo autor: O léxico de Guimarães Rosa. Marcílio Godoi foi outro escritor a dedicar uma obra inteira à invenção de palavras: Pequeno dicionário ilustrado de palavras invenetas. Boa leitura!]]>
Como assim a língua foi trazida “há mais de um século e meio”? Foi trazida há cinco séculos.
Gosto de inventar,não só por inventar somente mas por acreditar na “evolução da letra e suas infinitas possibilidades”. A.S.P
muito bom