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Vozes da resistência: literatura negro-brasileira

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A fim de celebrar a literatura de autoria negra, selecionei livros essenciais para refletir sobre a questão racial e formação do povo brasileiro.

“Não queremos mais aquilo que embranquece a negra maneira de ser. Não queremos mais o lento e constante apagamento da cor de terra molhada, suada, encantada”, diz Eliana Alves Cruz,  em nota de abertura do seu romance histórico “Água de barrela”, que venceu o prêmio Oliveira Silveira, do Ministério da Cultura, em 2015.

A importante reflexão de Eliana faz referência à herança viva de um passado escravocrata, às raízes do racismo e ao apagamento da memória ancestral e da história da população negra. 

A literatura e o seu poder transformador são fundamentais para combater esse  apagamento. Por intermédio de memórias pessoais e coletivas, das vozes e subjetividades negras que resistem, a literatura negro-brasileira narra a diversidade, a representatividade, a ancestralidade e o racismo estrutural, evidenciando diferentes pontos de vista da história negra no Brasil.  Além disso, trazem à tona projetos consistentes, originais em suas formas e estilos, que figuram as listas dos principais prêmios literários.

Nesta trilha, Conceição Evaristo pontua que as histórias narradas por escritores negros não são para adormecer a casa-grande, e sim para acordá-la de sonos injustos. Eis a escrevivência, que revela enunciações autônomas, reivindicando o tom de homogeneização das experiências numa sociedade racista.

 Em Poemas da recordação e outros movimentos (Malê, 2021), por exemplo, Conceição nos apresenta uma dicção poética que elabora imagens plurais das (sobre)vivências e subjetividades negras, enfatizando não só a crítica ao racismo estrutural e a desigualdade social, mas sobretudo a cultura afro-brasileira.

Outro projeto literário nessa linha, é o do escritor e professor Henrique Marques Samyn. Em Levante (Jandaíra, 2020), Samyn aborda a trajetória do povo negro no Brasil, desde o tráfico negreiro até as lutas contemporâneas por libertação.

A fim de celebrar a literatura negro-brasileira, vozes  da resistência, e em referência ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, selecionei obras literárias essenciais para refletir sobre a questão racial, cultura e formação do povo brasileiro. Aproveite o dia de hoje e todos os outros para conhecer, ler e valorizar a excelente literatura de autoria negra do Brasil. Confira a lista e boa leitura!

Água de barrela, Eliana Alves Cruz

As muitas mulheres negras presentes no romance Água de barrela, de Eliana Alves Cruz, encontram no lavar, passar, enxaguar e quarar das roupas das patroas e sinhás brancas um modo de sobrevivência em quase trezentos anos de história, desde o Brasil na época da colônia até o início do século XX. O título do romance remete a esse procedimento utilizado por essas mulheres negras de diferentes gerações e que garantiu o sustento e a existência de seus filhos e netos em situações de exploração, miséria e escravidão. A narrativa inicia-se com a comemoração do aniversário de umas das personagens após viver um século de muitas lutas, perdas, alegrias, tristezas e principalmente resiliência. Damiana, personagem central para a narrativa, cansada das batalhas constante e ininterruptamente travadas pela liberdade, se vê rodeada por sua família e se recorda dos tempos de lavadeira.​​


Poemas da Recordação e outros movimentos,  Conceição Evaristo

Fazendo uso de variados recursos: uma rica visão poética emotiva e a tematização sentimental, social, familiar e religiosa; com coragem, experiência, estilo bem definido e uso de intertextualidades, são enunciadas pela autora a pobreza, a fome, a dor e “a enganosa-esperança de laçar o tempo”; assim como há espaço para a paixão, o amor e o desejo. Nada, porém, é superficial, gratuito ou excessivo em “Poemas da recordação e outros movimentos”, que se sustenta em crítica social e no profundo de cada experiência, a partir da produção de um conjunto de poesias fortes e criativas, de belo senso rítmico, cuja leitura desperta emoções, graças à empatia que se estabelece entre os que leem os poemas e a expressividade emotiva e literária de Conceição Evaristo, quando faz despontar os “mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra”.


Um Exu em Nova York, Cidinha da Silva 

No livro de contos Um Exu em Nova York Cidinha da Silva apresenta uma perspectiva contemporânea e ficcional do cotidiano, sobre temas como política, crise ética, racismo religioso, perda generalizada de direitos (principalmente por parte das mulheres), negros e grupos LGBT. A autora considera que esses são marcadores importantes do século XXI e classifica a obra como um livro-dínamo. Cidinha parte das tensões provocadas pela percepção das religiões de matrizes africanas para desmistificar ideias negativas que são difundidas sem critérios na sociedade. Através dos personagens, traz ainda outros temas contemporâneos, como por exemplo a nova masculinidade.



Levante ,Henrique Marques Samyn 

“Samyn mergulha na lama primordial onde nossa ancestralidade repousa e transforma em ponto versificado o que nos trouxe até aqui: a coragem, a capacidade de recriar, de gerar tecnologias de produção de infinitos”, assim define Cidinha da Silva no prefácio da obra. Produto de uma pesquisa rigorosa, desenvolvida ao longo de cinco anos por Henrique Marques Samyn, professor de literatura da UERJ e militante negro, Levante reúne 75 poemas que abordam a trajetória do povo negro no Brasil, desde o desterro imposto pelo tráfico negreiro até a resistência contra o sistema escravista, chegando às heranças contemporâneas e à contínua luta por libertação.


Porco de Raça, Bruno Ribeiro 

Uma distopia humana visceral e repleta de horror, Porco de Raça coloca o dedo na ferida e entrega uma narrativa transgressora que distorce e expande gêneros, unindo entretenimento a uma dura crítica social. No enredo, acompanhamos um professor negro, falido, preso a uma cadeia de acontecimentos inescapáveis que acabam por levar a uma jornada rumo a própria degradação física e psicológica.


Um corpo negro, Lubi Prates 

Um corpo negro” conta, poeticamente, o processo de reconhecimento como negra, da autora, a partir do que se manifesta fisicamente no corpo: pele, cabelo, boca e nariz, até as estórias que ouve sobre seus ancestrais e as próprias experiências desta identidade, desconstruindo a representação do negro, ainda atual, como alguém inferior. a história de Lubi Prates é a história de muitos.


Um defeito de cor, Ana Maria Gonçalves

Fascinante história de uma africana idosa, cega e à beira da morte, que viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Ao longo da travessia, ela vai contando sua vida, marcada por mortes, estupros, violência e escravidão. Inserido em um contexto histórico importante na formação do povo brasileiro e narrado de uma maneira original e pungente, na qual os fatos históricos estão imersos no cotidiano e na vida dos personagens. Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, é um belo romance histórico, de leitura voraz, que prende a atenção do leitor da primeira à última página. Uma saga brasileira que poderia ser comparada ao clássico norte-americano sobre a escravidão, Raízes.


O avesso da pele, por Jeferson Tenório 

Um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude, O avesso da pele é uma obra contundente no panorama da nova ficção literária brasileira. Vencedor do Prêmio Jabuti na categoria “Romance Literário”:

No livro, acompanhamos a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos. O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Com habilidade incomum para conceber e estruturar personagens e de lidar com as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, Jeferson Tenório se consolida como uma das vozes mais potentes e estilisticamente corajosas da literatura brasileira contemporânea.


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