120 anos de Drummond: “o imortal soluço de vida que rebenta daquelas páginas”
Para celebrar o aniversário de Drummond, selecionei quatro livros importantes na trajetória do autor. Confira a lista e boa leitura!
Há 120 anos, em 31 de outubro de 1902, nascia o poeta do Sentimento do mundo, da Rosa do Povo, do Claro Enigma: Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da nossa literatura.
A poesia de Drummond encarou as engrenagens da máquina do mundo, o “rosto do mistério” nos abismo. Encarou enigmas, sem tentar decifrá-los “Olhou, reparou e auscultou” a riqueza, a pobreza, a natureza, a existência, os conflitos, a (des)esperança… Trouxe à tona um olhar crítico, sem desprezar o sentimento do mundo, sem desprezar seus próprios sentimentos.
Com escrita multifacetada, transitando por diversos temas e dicções, Drummond fez brotar uma flor no asfalto: “furou o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio”. Sem hesitar, sem perder o lirismo, sem desprezar a coloquialidade, colocou a vida e a poesia ao rés-do-chão, entrecruzando memórias pessoais e coletivas: “Tua memória, pasto de poesia/tua poesia, pasto dos vulgares”.
Drummond nasceu em Itabira, Minas Gerais. Além de poeta, foi cronista, jornalista e funcionário público. Seus primeiros textos foram publicados no periódico Diário de Minas . Já seu livro de estreia, Alguma poesia, foi publicado em 1930, período da segunda fase do modernismo brasileiro (1930-1945). Neste livro, lemos o conhecido “Poema de sete faces”:
Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
Carlos Drummond de Andrade
As fases da poesia de Carlos Drummond de Andrade
A vastíssima obra de Drummond foi dividida em quatro fases: a primeira, conhecida como gauche (década de 1930), é a fase da reflexão existencial e do individualismo. A segunda fase (1940-1945) é a social. Nela, temos um Drummond mais participativo: o isolamento da primeira fase é substituído pelo grito que ecoa a problemática do mundo. Nesse período, escreveu Sentimento do Mundo (1940), José (1942) e Rosa do Povo (1945).
A terceira fase (1950 – 1960) é dividida em dois momentos. Drummond percorria novos caminhos: o da poesia filosófica e o da poesia nominal. A quarta fase (década de 70, 80) é fase memorialística, abordando temas como o da infância e o da família, sem deixar de abordar os temas universais.
Para celebrar, conhecer e/ou revisitar a obra de Carlos Drummond de Andrade, selecionei quatro livros importantes na trajetória do autor. Confira a lista e boa leitura!
Alguma poesia, Carlos Drummond de Andrade
Alguma poesia assinala a estreia de um autor que, então com 28 anos, iria revolucionar a poesia de língua portuguesa no século XX. Não é para menos. Com peças como “Poema de sete faces”, “Infância”, “No meio do caminho”, “O sobrevivente”, entre tantos outros textos decisivos, o livro demonstra já a enorme maturidade do jovem Drummond, ainda estabelecido em Belo Horizonte. Dois anos antes, Drummond havia causado escândalo entre as hostes literárias ao publicar, na Revista de Antropofagia, o poema “No meio do caminho”. Era o início da carreira de escândalo do poema, reconstruída na década de 1960 pelo próprio autor em um livro que reuniria os ataques, as paródias e as contendas relacionadas ao poema. Mas para além da polêmica, Alguma poesia já apresenta aquilo de melhor que Carlos Drummond de Andrade iria oferecer ao longo de quase 60 anos de uma das carreiras mais fecundas da literatura moderna: o lirismo, o humor, o tom meditativo e irônico, a observação desencantada dos fatos, o sensualismo, a reflexão aguda sobre o amor e a morte.
Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade
Sentimento do mundo, publicado em 1940, quando Carlos Drummond de Andrade tinha 38 anos, é seu terceiro livro de poemas, mas o primeiro escrito após a mudança para o Rio de Janeiro, então capital do país. O poema-título, que abre o volume, registra a abertura do poeta para uma visão mais ampla da humanidade. No conjunto de poemas aqui reunidos, há também uma atitude política mais participativa e empenhada (mesmo que ciente de seus limites) na transformação da realidade. Os poemas sociais de Sentimento do mundo são alguns dos melhores já produzidos em nossa literatura. “O operário no mar”, “Os ombros suportam o mundo”, “Mundo grande” e a “Noite dissolve os homens”, entre outros, são exemplos de uma literatura engajada.
Claro Enigma, Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1951, Claro enigma representa um momento especial na obra de Drummond. Com uma dicção mais clássica, o poeta revisita formas que haviam sido abandonadas pelo Modernismo (como o soneto, modalidade que fora motivo de chacota entre as novas gerações literárias), afirma seu amor pela poesia de Dante e Camões e busca uma forma mais difícil, mas sem jamais abandonar o lirismo e a agudeza de sua melhor poesia.
A Rosa do povo, Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1945, A Rosa do povo é o livro politicamente mais explícito de Drummond. É um poderoso olhar sobre a Segunda Guerra, a cisão ideológica, a vida nas cidades, o amor e a morte. Tudo isso é observado a partir daquela que então era a capital do país. O Rio de Janeiro, nossa primeira grande cidade cosmopolita, ocupa uma posição privilegiada nos poemas, a ponto de muitos críticos compararem a visão de cidade expressa pelo autor mineiro àquela de Charles Baudelaire (1821-1867), o poeta francês que foi o primeiro grande cantor da experiência urbana. Pois é escrevendo a partir desse Rio de Janeiro que se urbanizava freneticamente, dando as costas ao passado, que Drummond fala da guerra e de seus desdobramentos no continente europeu e presta seu tributo aos milhões de civis que pereceram no conflito, além de refletir sobre a própria possibilidade de expressar todos esses acontecimentos em verso. Formalmente falando, A rosa do povo é um livro que pertence ao alto modernismo, em que Drummond experimenta o verso espraiado à maneira de Walt Whitman, ironiza o passado literário brasileiro e exercita as mais diversas formas e dicções nos cinquenta e cinco poemas reunidos no volume.
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