Por que a abolição da escravatura não foi suficiente?
13 de maio é marcado pela assinatura da abolição pela princesa Isabel. Porém, não há muito o que celebrar. E no Dia da Consciência Negra?
Cento e trinta anos de abolição da escravatura e não há muito o que comemorar. Não nos tornamos uma nação-exemplo de democracia racial e ainda há uma longa jornada rumo à equidade plena de direitos (humanos). Vivemos, ainda, as cicatrizes de um processo histórico que deixou marcas na realidade, estilo de vida e nas perspectivas da população negra. Estamos imersos em um sistema social racista, o grande fomentador das desigualdades raciais no Brasil. Homens e mulheres negras permanecem à margem da sociedade, com acesso precário à educação, à moradia de qualidade, com representações imagéticas negativas e sem representação em setores como a política e a indústria cultural.
As estatísticas são claras: a cada 23 minutos, um jovem negro morre – totalizando 23 mil por ano, 63 por dia (CPI do Senado); mulheres negras ocupam 0,4% dos cargos de liderança em empresas privadas (ThoughtWorks); 5% é o percentual de profissionais negros que ocupam cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil (Instituto Ethos); mulheres negras estão 50% mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos (Ipea); entre muitos outros números.
No dia 20 de novembro, alguns estados brasileiros celebram historicamente o Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. O dia é marcado pela morte de Zumbi dos Palmares – líder do Quilombo dos Palmares. A fim de ampliar a compreensão e consciência do panorama racial que vivemos hoje, pedimos uma ajuda ao professor (Cefet/RJ) e doutor Roberto Borges, que atua na atua na área Interdisciplinar, com foco nas relações raciais, no antirracismo, no cinema negro e nas práticas identitárias em mídias filmográficas. Confira nossa lista de 9 títulos indispensáveis!
A democracia da abolição, de Angela Davis
A partir do episódio escandaloso no presídio de Abu Ghraib, Angela Davis registrou uma série de entrevistas nas quais analisa como os sistemas históricos de opressão ainda são realidades perenes na sociedade. Sob a perspectiva de que a escravidão, as desigualdades raciais e os linchamentos, por exemplo, ainda reforçam os direitos plenos e a criação de um sistema carcerário, a autora mergulha em uma profunda investigação sobre a noção de “Democracia da Abolição” como a democracia por vir. Uma obra confrontadora e baseada no contexto norte-americano de injustiças e sucessivas negações.
Pele negra, máscaras brancas, de Franz Fanon
Este não é mais um livro que traz à tona as questões problemáticas da temática racial. Franz Fanon fez muito mais do que isso ao tratar sobre a negação do racismo contra o negro na França. A primeira edição em português foi lançada em 1963. Em uma narrativa forte e angustiante, ele traz a perspectiva do pensamento da descolonização, psicológico e da Diáspora Africana. Os capítulos temáticos apresentam uma visão que promete aguçar o senso crítico da reflexão racial – e seus impactos na psique humana -, baseada em teorias da filosofia, das ciências e da literatura caribenha. Se você deseja se aprofundar nos estudos de raça, esta é uma leitura obrigatória.
O movimento negro educador, de Nilma Lino Gomes
Nilma Lino Gomes é um ícone essencial na literatura étnico-racial. Primeiro porque a trajetória da autora na educação é singular, possibilitando a compreensão plena da articulação das interseccionalidades entre gênero, raça, corpo, ciências humanas e outras subjetividades. Segundo porque, como profissional, mestre e doutora em educação, ela nos apresenta um caminho de subversão à teoria educacional e de repensar o contemporâneo das escolas, além da descolonização dos currículos e vieses eurocêntricos. Especialmente nesta obra, mergulhamos no papel central do Movimento Negro brasileiro (e de mulheres negras) para entender como os saberes foram estruturados, produzidos e sistematizados – emancipando o conhecimento sobre a temática racial no país.
Da diáspora, de Stuart Hall
Escrito a partir da diáspora pós-colonial, de um engajamento com o marxismo e com teóricos culturais contemporâneos e de uma visão de cultura impregnada pelos meios de comunicação, Hall fala sobre a centralidade da ideologia, cooptação cultural, entre outras problemáticas nada óbvias. Sua obra é delicada em sua empatia com interlocutores teóricos e atores na cena cultural e incisiva em sua afirmação da importância social de pensar, para ´deslocar as disposições do poder´ e democratizá-las. O pensamento de Hall passa por convicções democráticas e pela aguçada observação da cena cultural contemporânea. A maioria de seus textos teóricos é ligada a uma conjuntura específica, incluindo aí um momento da discussão teórica sobre cultura.
O genocídio negro brasileiro, de Abdias do Nascimento
Na contramão do mantra que afirma que o conceito de democracia racial é algum tipo de orgulho nacional, Abdias apresenta reflexões, comentários, depoimentos pessoais e críticas sobre o cenário atual das condições de vida entre negros e brancos persistentes até hoje. O autor é uma das maiores referências na defesa dos direitos da população negra no Brasil e seu trabalho é direcionado a esse jogo de disparidades sociais e suas origens.
Ensinando a transgredir – a educação como prática de liberdade, de bell hooks
Ensinar é um ato teatral. bell hooks (isso mesmo, ela faz questão de que sua assinatura tenha grafia no diminutivo) é uma ativista, professora universitária e feminista norte-americana. Em 14 capítulos divididos em ensaios textuais, a autora fala sobre como transgredir as fronteiras raciais, sexuais e de classe dentro e fora das escolas, voltando-se para a essência da educação. Embora não seja um livro exclusivo para professores apenas, hooks nos convida a refletir o porquê de as salas de aula terem se tornado um lugar de tédio, e não de entusiasmo. Assim, a obra nos mostra caminhos para repensar os estudos feministas, pedagogia crítica, questões multiculturais, a arte de ensinar e muito mais.
Mulheres, raça e classe, de Angela Davis
Eleita como uma leitura fundamental para a compreensão crítica das diferentes opressões sociais que atuam em conjunto, a autora faz uma viagem no tempo para contextualizar a centralidade da temática de raça, gênero e classe. Davis passa pelos debates sobre a escravidão nos Estados Unidos, abolicionismo penal, movimento sufragista, emancipação, estupro e racismo. Considerada uma obra acadêmica, ela nos impulsiona a fazer um comparativo com o contexto brasileiro e, assim, criarmos perspectivas de mudanças estruturais e urgentes dentro de sua linha marxista de
pensamento.
Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil, de Sueli Carneiro
Por mais de uma década, a ativista e feminista Sueli Carneiro se dedicou à produção de vários artigos para a imprensa brasileira. Logo, o livro reúne os melhores textos que apresentam críticas e denúncias às relações sociais e políticas do Brasil. Trata-se de narrativas curtas e densas, sem perder caráter didático e ideológico quando falamos de racismo, sexismo e direitos humanos. Dividido em oito categorias, encontramos informações sobre estatísticas, gênero, mercado de trabalho, feriados temáticos e cotas, com pontes atemporais para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.
O que é lugar de fala, de Djamila Ribeiro
Para alguns, o termo “lugar de fala” acabou se tornando um clichê quando falamos de minorias. O que nunca poderia ter acontecido se, antes, refletíssemos em seu real significado e relevância no debate sobre desigualdades. De forma ousada, Djamila Ribeiro nos dá uma aula sobre racismo, sexismo e feminismo para, enfim, compreendermos a pergunta principal que deu origem ao título da obra. Seu livro fala sobre encarceramento, branquitude, mulheres indígenas e caribenhas, afetividade, empoderamento e masculinidades. Dentre todos aqui, é o lançamento mais recente (2017) e indispensável aos que buscam aprofundar os diálogos do feminismo negro.
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