Uruguai por ele mesmo
História de repressão no país, documentada pelo escritor Maurício Rosencof, chega aos cinemas neste mês.
Com pouco mais de três milhões de habitantes e sendo o segundo menor país da América do Sul, nosso vizinho Uruguai é exemplo em diversas pautas progressistas. Não seria diferente na literatura.
Esbanjando ainda invejável IDH de 0.79, até mesmo o chileno Pablo Neruda, nunca escondeu seu amor pelo pequeno balneário. Ele foi muito influenciado pelo poeta uruguaio Carlos Sabat Ercasty e ainda se apaixonou no país pelo sua segunda esposa Matilde Urrutia. O poeta viajante dedicou às paisagens uruguaias poesias que mencionam Punta del Este, Montevidéu e o mar de Atlántida em “Oda a la tormenta”. Um de seus poemas mais bonitos.
Prata da casa
Falar em Uruguai também é falar em duas figuras singulares do país: Pepe Mujica e Eduardo Galeano. O ex-presidente uruguaio definiu como prioridade de seu governo temas como educação, segurança, meio ambiente e energia. Também colocou como um objetivo primordial de sua administração a erradicação da miséria e a redução da pobreza em 50%. Logo após sua chegada à Presidência, a primeira lei que chamou a atenção foi a descriminalização do aborto. A Frente Ampla já havia proposto em 2007 um projeto sobre o tema, vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez. Com Mujica, em 2012, a lei foi aprovada. A segunda lei progressista aprovada foi a do matrimônio igualitário, de abril de 2013.
Na juventude, Mujica foi militante e passou parte significativa de sua vida preso durante o governo militar, de onde saiu em 1985. Cerca de 10 anos dessa história foram contatos no livro: Memorias Del Cabalozo, escrito por Maurício Rosencof, também preso político e adaptado para as telonas por Alvaro Brechner, no longa: “Uma Noite de 12 Anos”.
Inspirada na história real de Mujica, Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, o filme é uma narrativa de superação e resistência de três homens que, em suas horas mais sombrias, se agarraram a seus espíritos para manter sua humanidade e esperança. E, após serem libertados, tiveram uma notável trajetória na vida política e cultural do país. O longa estreia no Brasil em 27 de setembro.
No campo literário, Eduardo Galeano com o clássico As Veias Abertas da América Latina é uma referência inegável. Apesar do próprio autor ter afirmado que não leria mais o título de 1971, o livro é ainda fundamental na literatura política. O autor era admirador do Brasil. Visitante frequente, passou uma temporada no Rio de Janeiro e dizia que Darcy Ribeiro foi um dos responsáveis pela sua formação. Coincidência ou não seu local preferido era o Café Brasileiro, na Cidade Velha de Montevidéu. Sua melhor universidade, nas palavras do autor.
Para nos aprofundarmos ainda mais no pequeno balneário, selecionamos outros autores e autoras contemporâneas para você conhecer. Um ode a América Latina e a América do Sul. Confira!
As cartas que não chegaram, Mauricio Rosencof
Primeiro livro de Rosencof publicado no Brasil, As cartas que não chegaram reúne retratos terríveis e belos da história de uma família a partir do testemunho de um menino, um jovem e um homem: uma única memória que narra realidades que ofuscam a ficção. Mauricio Rosencof faz uma profunda reflexão sobre sua vida e a de seus familiares em meio a um mundo assolado por guerras e separações, mas com os vínculos mantidos que servem como alívio para a solidão e a tristeza.
A trégua, de Mario Benedetti
Publicado em 1960, ‘A trégua’ é o mais famoso romance de Mario Benedetti e uma das obras mais importantes da literatura latino-americana contemporânea. Escrito em formato de diário e com fina ironia, o livro conta a história de Martín Santomé, um ‘homem maduro, de muita bondade, meio apagado mas inteligente’. Prestes a completar 50 anos, viúvo há mais de vinte, Santomé mora com os três filhos. Não se relaciona bem com nenhum deles, tem poucos amigos e mantém uma rotina monótona e cinzenta. No diário, conta os dias que faltam para a aposentadoria; mas não tem idéia do que fará assim que se vir livre do trabalho maçante. Seu destino, no entanto, mudará quando conhecer Laura Avellaneda, uma jovem discreta e tímida contratada para ser sua subalterna. Muito mais do que uma história de amor, ‘A trégua’ é um questionamento sobre a felicidade e um retrato às vezes bem-humorado, às vezes ferino, dos difíceis relacionamentos humanos, tema que é uma das especialidades de Benedetti.
A vida breve, de Juan Carlos Onetti
A esposa do publicitário Juan Maria Brausen acaba de passar por uma cirurgia complicada. Enquanto ela se recupera na cama, no apartamento vizinho umaoutra mulher geme de prazer. O calor sufoca, a chuva prevista não cai, os sonhos se misturam à realidade e os diálogos que ouve dos vizinhos confundem-se com seus próprios pensamentos. O corpo de Gertrudes, com a grande cicatriz no peito, jaz inerte, carregado de morfina. Para escapar, Brausen imagina um outro lugar… a cidade de Santa Maria, onde ele mesmo e seus personagens podem experimentar uma outra vida, não tão diferente da atual. A vida breve é a história de várias vidas perdidas, vidas sem sentido, vividas de solidão. Pelas esquinas da mítica cidade, se escondem fracassados cafetões, médicos, prostitutas, malandros.
Espaços íntimos, Cristina Peri Rossi
Grande escritora latino-americana, com 40 títulos publicados e vencedora do Prêmio Vargas Llosa de 2010, Cristina Peri teve em 2017 seu livro Espaços Íntimos editado no Brasil. A coletânea reuni contos da autora que evocam os dramas cotidianos contemporâneos. Um homem só na frente da tela de um computador entrega-se a um jogo que nunca acaba, uma empresária burocrata e poderosa cansada da própria máscara, a nostalgia do homem que ouve “A Internacional” como o canto perdido de sereia, de um mundo que não existe mais. A condição solitária e melancólica dos personagens de Espaços íntimos, perdidos na euforia dos hotéis fakes, no engano do mundo virtual, no isolamento de pequenos quartos, todos que prometem uma vida glamorosa e cheia de satisfações. Um livrão!
Um, dois e já, de Inés Bortagaray
Primeiro livro da uruguaia Inés Bortagaray no Brasil, Um, dois e já é uma delicada ode às memórias afetivas. Na novela, a história é narrada em primeira pessoa por uma menina que conta a viagem de verão da família até um balneário uruguaio, dentro de um carro apertado, no início dos anos 80. A voz da narradora, ora lírica, ora jovial, mas nunca infantilizada, descortina a paisagem plana e melancólica do Uruguai, e revela a dinâmica familiar, na qual ela ocupa a peculiar e determinante posição de irmã do meio. Num relato repleto de humor e ironia, aparecem as disputas, as estratégias, alianças e brigas pelo lugar na janela e pela atenção paterna. Nos momentos de silêncio, ela cria histórias mentais, faz digressões, analisa os gestos do pai e da mãe, e pensa nas pequenas perdas da vida.
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