Inspirado na obra de Hilda Hilst, longa Unicórnio estreia nos cinemas
Após pré-estréia na Flip, adaptação de Eduardo Nunes entra no circuito de mais de 20 cidade brasileiras.
Em um mergulho no trabalho da escritora Hilda Hilst, o cineasta Eduardo Nunes inspirou-se em dois textos da escritora pra levá-la às telonas: ‘O Unicórnio’ – Fluxo-floema (1970) e ‘Matamoros’ – Tu não te moves de ti (1980). Do encontro das duas novelas, nasceu o roteiro de “Unicórnio”, que em uma estética bastante singular trabalha os elementos do universo hilstiano, como a morte, a existência do divino, a sexualidade e a natureza.
O filme foi selecionado para a edição deste ano do Festival de Berlim e integrou a mostra Generation, dedicada a produções de temas jovens. Na trama, em linguagem não linear, Maria (Barbara Luz), uma menina do campo, aguarda a volta de seu pai. Mas a chegada de outro homem (Lee Taylor) desestabiliza a relação com a mãe (Patrícia Pillar). Dois ritmos e duas histórias, que estreiam hoje (16) pela Sessão Vitrine Petrobras, com ingressos a no máximo 12 reais nos cinemas parceiros.
Assim, como em seu primeiro filme “Sudoeste” (Prêmio de melhor fotografia no Festival do Rio 2011), Nunes presenteia os espectadores com sequências hipnotizantes. Na entrevista a seguir, o diretor compartilha com a Estante Virtual suas percepções e a relação com a literatura. Confira!
[Estante Virtual] Como foi a recepção da trama em Berlim? As pessoas já conheciam a obra da Hilda? Ou foi também uma apresentação?
[Eduardo Nunes] A exibição de ‘UNICÓRNIO’ no Festival de Berlim foi muito especial, pois trata-se de um dos maiores festivais do mundo e, claro, acaba havendo muita expectativa por parte de quem vai exibir o filme e de quem vai assistir. Acredito que a maiora do público não conhecia a obra da Hilda Hilst, foi o que eu pude perceber com o debate e as entrevistas depois. Mas acho que a trama de ‘UNICÓRNIO’ foi bem assimilada; o que, de certa forma, torna o resultado do filme bem interessante: não só podemos atrair leitores da Hilda para assistir ao filme, mas também fazer com que eventuais espectadores que não conheciam a obra da autora possam se interessar por ela.
Como é a sua relação com a obra da autora?
Sempre gostei de ler os livros de Hilda Hilst, nem lembro direito quando li a primeira vez. Mas mesmo não tenha compreendido totalmente quando era jovem, havia ali naquela literatura algo muito forte, que era dito através daquela poesia toda. Questões que me interessavam: a existência ou não de Deus, o momento da morte, a relação com a Natureza… E acabei lendo toda a obra de Hilda. E – de tempos em tempos – retorno a parte desta obra. Estes livros são como companheiros de viagem para mim. A decisão de adaptar a sua obra para o cinema vem mais por uma questão afetiva que criei com o trabalho de Hilda Hilst do que pela crença de que seria “um bom livro para virar filme”. Pois trata-se de uma obra muito difícil de adaptar para o cinema, pois a sua base é a própria poesia, e o peso da escolha de cada palavra para a construção narrativa é muito valioso em seu trabalho. Ao adaptar para o cinema é preciso buscar equivalentes; e optei por filmar a impressão que o universo da Hilda Hilst causava em mim. A minha percepção de sua obra.
E por que a decisão de unir os dois títulos no filme?
As novelas ‘O Unicórnio’ e ‘Matamoros’ são bem distantes, pertencem a dois livros diferentes e – a princípio – sem nenhuma relação entre si. Mas entendo a obra de Hilda como um grande painel onde diversos temas sempre retornam, por vezes com uma outra abordagem, mas são os mesmos temas: a morte, a existência do divino, a sexualidade, a percepção do mundo através da natureza, etc… Então percebi que duas novelas aparentemente tão distantes tinham um intenso diálogo quando observadas como parte deste “universo hilstiano”. Então a novela ‘O Unicórnio’ tornou-se a base do diálogo entre Maria e seu pai nas cenas do ambiente branco; e ‘Matamoros’ passou a ser a história que Maria conta ao seu pai quando estão neste ambiente branco; pois os mesmos temas do universo de Hilda estão nas duas obras e permitem esta narrativa paralela.
A dimensão reduzida das cenas já é uma marca dos seus filmes, como se deu essa decisão e a proposta estética?
Na verdade trata-se de uma imagem muito panorâmica, muito grande horizontalmente. A ideia de utilizar este recurso no meu primeiro longa, ‘SUDOESTE’, e agora em ‘UNICÓRNIO’, é a de propor uma experiência sensorial mais forte. Ambos os filmes possuem poucos diálogos e uma narrativa que é conduzida pela imagem e pelo som. Por isso é tão importante criar uma nova percepção desta imagem, o que o formato ultra panorâmico proporciona. Da mesma forma, o trabalho da edição de som e a mixagem em cinco canais ajuda esta imersão do espectador no filme. Criamos um ambiente na sala de cinema que pretende fazer com que o espectador sinta-se parte daquele mundo.
Quais outros autores influenciam hoje seu trabalho?
Acho que hoje meu trabalho é mais influenciado pela literatura do que pelo cinema. Além da Hilda Hislt, obra que acabei mergulhando nestes últimos meses, sempre estou lendo algum autor russo. Me encanta a literatura russa no Século XIX, acho que é um dos períodos mais criativos dos autores russos na História. Dostoiéwski ainda é um dos autores que mais de encanta, mas tenho lido muito Turguêniev, e seu trabalho é lindo. A coletânea de narrativas curtas de ‘Memórias de um Caçador’ é um painel muito rico da Rússia daquela época. E a forma delicada, e precisa em detalhes, como Turguêniev descreve a Natureza e a presença de seus personagens nesta Natureza, como se fossem fruto desta terra, é único. Quando eu penso em criar uma ambiência no filme, surge este mundo descrito por ele: os detalhes compondo um todo.