Na contramão do tempo: O que fazem os escritores, o que os inspiram?
Autores rebatem ‘conselhos instantâneos’ e revelam seu modus operandi para colocar a mão na massa
“Estou lendo ‘Os 120 dias de Sodoma‘, do Marquês de Sade, bela tradução de Rosa Freire D’Aguiar, para a Penguin brasileira, e ‘Nus’, um livro de contos da Mercedes Dantas, escritora brasileira dos anos vinte”, descreve a autora Heloísa Seixas, que revela sua inspiração para o ofício: seus gatos.
Nós, editores, somos totalmente bastidores do livro – que bom –, e justamente por isso costumamos ter algumas histórias saborosas para compartilhar. Eu tenho algumas histórias com a Heloisa Seixas, que por sorte minha (nossa) topou estar conosco no Profissão: Escritor, compartilhando um pouco da sua rica experiência no dia a dia do trabalho com a palavra. Helô é taxativa quando pergunto sobre vícios e obsessões literárias: “Você sabe, eu sou casada com um obsessivo total e isso já é suficiente”, ironiza, referindo-se ao escritor e jornalista Ruy Castro, um dos mais respeitados biógrafos brasileiros.
Os 120 dias de Sodoma, de Marquês de Sade
De lugares profundos
Heloisa Seixas irá dialogar com a estreante na ficção – mas não no mundo dos livros, já que foi livreira por quase uma década – Débora Finkielsztejn. ‘O alfaiate polonês‘ (Babilonia Cultura Editorial), romance que Débora publicou em 2016, transita por territórios internacionais, além de perpassar a dor da guerra e da perda, os sentimentos humanos, a diáspora de povos e famílias pelo mundo.
Autora experiente de romances, contos, crônicas, adaptações de obras literárias para teatro, traduções, Seixas transita constantemente entre a ficção e a não ficção. ‘O lugar escuro‘ (Objetiva), ‘O oitavo selo‘ (Cosac Naify), ‘Agora e na hora‘ (Companhia das Letras) são parte do repertório narrativo de Heloisa, que tem cerca de 20 obras publicadas em diferentes casas editoriais. Um ponto-chave do seu trabalho é privilegiar o lugar da “memória”, não à toa promovemos esse bate-papo entre as duas escritoras.
O alfaiate polonês, de Débora Finkielsztejn
‘O livro é que nos escolhe’
Débora lê, no momento, ‘O oitavo selo‘, além de um livro de Murakami, ‘Do que eu falo quando falo sobre corrida‘. Concluiu há pouco a leitura de ‘O Enigma de Espinosa‘, do Irvin Yalom. “Recomendo ler aquilo que se tem vontade. É frustrante pegar um livro e largar no meio ou terminar lendo ‘na diagonal’. O livro é que nos escolhe, mais do que nós a eles. Não existe mau leitor, mas um leitor que não encontrou o assunto que lhe agrada.”
A ex-livreira revela não ter vícios, mas sim manias. “Quando gosto muito de um autor e me identifico com ele, escrevo uma mensagem destinada a ele, que nem sempre envio.” Será que a Débora escreveu pra Helô? Agora estou curiosa para saber. Papo de escritor rende pacas. E nós, mortais, aqui só de plateia, não é mesmo?
Conselhos? Veja – ou melhor – leia bem
“Recomendo que as pessoas simplesmente leiam o que gostem, sem nenhum tipo de amarra ou obrigação”, sugere Ricardo Lísias, um dos jovens autores mais aclamados da literatura brasileira contemporânea, segundo a revista Granta, que publicou, entre outros ‘O livro dos mandarins‘, ‘O céu dos suicidas‘, ‘Divórcio‘ (publicados pela Alfaguara), ‘Inquérito policial – Família Tobias‘ (Lote 42) e ‘Eduardo Cunha’ (pseudônimo), pela Record. “É um pouco clichê, mas sou viciado em ler. Leio sem parar. Minha obsessão é pela busca, parece que eterna, por algo novo”, revela.
“Escreva só o que, dentro de você, pede para ser escrito. Não pense no que leitor e a crítica vão pensar. Não ouça conselhos (nem estes!)”, afirma Heloisa Seixas, que faz coro com Lísias sobre o posicionamento do escritor em relação ao processo criativo. “Não se importar com o que os outros vão pensar, com o sucesso, com o fracasso, com as contas ou com qualquer outra coisa que não seja o próprio projeto”, esse é o desafio de Lísias, mas que, ao contrário de Heloisa, diz ser obsessivo na criação de seus projetos.
“Minha vontade é de ficar inventando coisas novas, de achar novas maneiras de me expressar, de criar questões particulares e de entender o que me incomoda é o que me move”, explica Lísias, que pretende labutar bastante sobre histórias, enredos, palavras e personagens com o público do #profissaoescritor.
O céu dos suicidas, de Ricardo Lísias
E a gente aqui fica como, depois desses depoimentos que só fazem aguçar nossa produtividade e imaginação? Ai, ai… Simbora ler e deixar as palavras encontrarem seu lugar, sua história.
Temos muito trabalho pela frente, não é, pessoal? O Profissão: Escritor nos espera. Até mais!
MICHELLE STRZODA é jornalista e editora. Empreendedora criativa, cofundadora e ex-diretora da Babilonia Cultura Editorial. Cursou Edição de Livros na Universidad Complutense de Madrid, Jornalismo na ECO|UFRJ e Letras na Uerj. Autora de ‘O Rio de Joaquim Manuel de Macedo’, finalista do prêmio Jabuti, e coautora da revista 450 anos da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Trabalha há 16 anos no mercado editorial.
SERVIÇO:
Profissão: Escritor é um ciclo de workshops de emprendedorismo em cultura editorial, diálogos literários, narrativas ficcionais e não ficcionais, e escrita afetiva. | Dia 14/04, de 9h às 18h | Carga horária: 8h. Mais informações em: http://estacaodasletras.com.br/ciclo-profissao-escritor-2/
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