Flip 2017: Festa Literária caminha para o amadurecimento no acesso à cultura
Flip encerra menos elitista, mais democrática e com difícil missão para o próximo ano.
Mesas cheias, pousadas lotadas e a praça ocupada por pessoas de todas as cores. A diversidade ditou o tom da 15ª Flip – Festa Literária Internacional de Paraty; mas não só entre os autores (equilibrados com 23 homens e 23 mulheres; 30% negros), também entre editoras e público presente em Paraty. A pluralidade lotou a cidade e mostrou que é mais do que necessária. É fundamental para que o mercado editorial brasileiro respire tranquilo. Representatividade importa e isso vem sendo provado dia após dia.
Quem roubou a cena, de fato, foi a professora aposentada, Diva Guimarães, que da plateia emocionou um auditório inteiro, incluindo o ator Lázaro Ramos, durante a mesa “A pele que habito”. Diva, do alto de seus 77 anos, levantou, pegou o microfone e mostrou o valor de sua pele negra. Reforçando como as mesas abertas são importantes e complementam o debate. O vídeo da aposentada viralizou nas redes e foi assistido 9 milhões de vezes.
Tamanho não é documento
Este ano, em versão enxuta, a festa teve redução de R$1 milhão no orçamento e a igreja da Matriz foi a alternativa econômico para a Tenda dos Autores. Em ano de crise, a adaptação do templo religioso agradou o público e poderá ser repetida para as próximas edições. “Chegamos a cogitar construir apenas o Auditório da Praça (gratuito), mas poderíamos perder o intimismo e a informalidade já tão característico da festa. Por uma decisão artística – não hierárquica – optamos por algumas experiências controladas”, afirmou Mauro Munhoz, diretor-geral da Associação Casa Azul – organizadora da Flip em coletiva de encerramento.
Muitos autores ganharam a simpatia do público como a escritora e freira Maria Valéria Rezende, que dividiu a mesa com o rapper angolano Luaty Beirão e relembraram o ativismo político contra regimes opressores, na mesa: “Kanguei no maiki”, que significa na gíria angolana “peguei no microfone”. O angolano descreveu a vida na cadeia no livro Sou eu mais livre, então, que ainda está proibido em Angola. “A escrita é o nosso desabafo. Eu sentia que a música não era suficiente, que não estava a produzir a transformação que os jovens anseiam. Fui inspirado pela Primavera Árabe, que acabou mal em vários lugares”, disse Beirão. Maria Valéria, por sua vez, precisou deixar o Brasil em 1972, por determinação da Congregação, que temia a sua prisão. Quando voltou ao país, desenvolveu trabalhos sociais no interior de Pernambuco. Em “Outros cantos”, seu livro mais recente, ela conta sua vivência no sertão pernambucano.
O Rio de Janeiro em fragmentos
Na sexta-feira, o escritor Luiz Antonio Simas e a pesquisadora Beatriz Resende abriram a mesa Subúrbio, confessando o golinho de cachaça na sacristia para quebrar o gelo e levando a plateia a gargalhadas. Os autores relembraram a visão nada idealizada do homenageado deste ano, o escritor Lima Barreto, sobre o Rio de Janeiro e sua irritação com o Carnaval, o futebol e a religião. Segundo ele, os três retiravam as pautas sociais da população. “Essa é uma cidade formada por várias cidades. O subúrbio faz parte do Rio de Janeiro, mas se você olha o Cristo da Lagoa ele está abraçando a cidade. Se você olha de Inhaúma ele está de costas e isso é muito significativo”, disse Simas. Beatriz Resende lança os livros: “Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos” e “Toda crônica”.
Durante entrevista com o autor Marlon James – convidado da mesa O grande Romance Americano, ao lado de Paul Beatty – questionei o escritor se poderíamos considerar está edição verdadeiramente inclusiva, em relação às pautas da diáspora africana. Ele respondeu que não podemos pensar o preconceito e o racismo como um problema que iremos consertar pontualmente. Mas, sim, pensar na jornada que fazemos para confrontá-los. “É um processo de evolução”. Essa jornada começou a ser percorrida em 2017, pela curadoria da Flip com um olhar mais atento e sensível às minorias. A festa evolui e amadurece para uma agenda mais democrática, com ampliação da arena aberta (de 300 para 700 lugares), atividades gratuitas e festas de rua. Que esse diferencial, tão significativo, seja um caminho sem volta e não morra em 2018 em nome da arte.