O reflexo da escrevivência nos 6 melhores livros de Conceição Evaristo
Por onde passa, percebemos sua docilidade e interesse genuíno em cada conversa. Uma autora de impacto e sensibilidade que você precisa conhecer!
Falemos abertamente? Escrevivência não é um conceito novo, nem um vocábulo da moda. Talvez sejamos nós que demoramos a desvendá-lo, mas ele já existe há aproximadamente duas décadas. Tudo começou quando a escritora Conceição Evaristo, genialmente, usou esta palavra ao se referir à própria vivência na condição de mulher negra. Em 1995, enquanto a autora escrevia sua dissertação de mestrado, o jogo de letras, sentidos e ideias deu vida à junção dos verbos escrever, viver e se ver. Antes, porém, de falarmos um pouco mais sobre o termo (e seus desdobramento na literatura), vamos conhecer um pouco a fonte de inspiração.
Rumo à trajetória literária
29 de dezembro de 1946. Conceição Evaristo nasceu em uma favela de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Podemos dizer que, entre os tantos, um dos marcos mais significativos da sua trajetória se deu no ambiente familiar, quando sua sensibilidade literária foi estimulada pelas histórias das mães, tias e pessoas ao redor. Logo, o primeiro contato com a essência da literatura tem como ponto de partida o ouvir, a cultura da oralidade.
Outro marco importante na vida da autora se deu em sua visita em uma biblioteca pública da cidade pela primeira vez. Já estava predestinado: Conceição se tornaria não apenas uma leitora voraz, como também uma escritora de excelência e impacto. Fato comprovado muito antes de a mineira começar a dar aulas para o primário após finalizar o curso normal. Muito antes de cursar Letras na UFRJ, entrar no mestrado em Literatura Brasileira, na PUC-Rio, e decolar para o doutorado em Literatura Comparada, na UFF. Muito, muito antes de receber premiações e reconhecimento público – como a exposição “Ocupação Conceição Evaristo”, no Itaú Cultural (SP).Toda a sua vivência como mulher negra já cultivava uma expertise com as palavras, despertando identificação em outras mulheres e inspirando novas narrativas orais e escritas.
Uma escrita que “sangra”
Assim, voltamos à escrevivências. Muito presente em seu fazer literário, trata-se de “escrever a escrita” do cotidiano das mulheres negras na sociedade brasileira. Um estilo que desperta a autopercepção, trazendo o aconchego de “se sentir em casa”, como a própria Conceição diz. O que propaga e perpetua sentimentos, dores, conquistas, tristezas, desabafos e expressões da população negra, principalmente feminina. E, claro, há muito mais detalhes que não caberiam aqui. Então, vamos deixar que as bibliografias falem pela autora. Conheça seus 6 melhores livros de contos, poemas e romances!
Olhos D’água, de 2014
Não há ‘meias palavras’, nem sentimentalismos ou tampouco omissões diante das páginas. O foco da coletânea de contos denuncia a violência urbana e a pobreza da população negra. Aqui, conhecemos mulheres de diferentes idades e experiências com um ponto em comum: a mesma vida de ferro. Histórias de mães, filhas, avós, amantes, homens e mulheres entre seus dilemas sociais, sexuais e existenciais. A autora não poupa o senso descritivo para relatar com riqueza de detalhes as vulnerabilidades humana.
Becos de memória, 2006
Sem perder o lirismo e a delicadeza da escrita profunda que só Conceição Evaristo tem, a autora mapeia a complexidade humana dos personagens que enfrentam diariamente o preconceito, fome e miséria – além de terem sempre a vida em risco. A obra é considerada um dos romances mais importantes da literatura contemporânea brasileira. Simplesmente tocante e excepcional!
Poemas da recordação e outros movimentos, 2008
Há uma combinação entre poemas, emotividade e (muitos) sentimentos nesta obra. As páginas são dedicadas às intertextualidades, assim como narrativas sociais, religiosas e familiares repletas de força e coragem. Há espaço para histórias de amor, desejo e paixão, assim como episódios perversos de pobreza, fome e dor. A esse conjunto de poesias potentes marcadas por um ritmo fascinante, os leitores e leitoras são cativados por ‘violentas’ reflexões, que só são possíveis quando se tem empatia com a expressividade de Conceição Evaristo.
Histórias de leves enganos e parecenças, 2016
Em tempos de tempestades políticas, a autora nos oferece 12 contos e uma novela. Diante da narrativa, nos deparamos com os mesmos elementos discursivos que permeiam suas obras anteriores. Este livro, porém, aponta para uma seara do “insólito, do estranho e do imprevisível”, encaminhando-nos a diversas vias de leitura e interpretação – com enfoques teóricos, diálogos intratextuais e outras características marcantes de sua escrita.
Insubmissas lágrimas de mulheres, 2011
Entre as melhores definições que esta obra pode ter, o termo “retrato” é o mais fidedigno. Os contos são como um retrato de afeição e solidariedade, que percorre toda a narrativa da autora no que tange à realidade unificadora entre as mulheres – em especial, as mulheres negras. A leitura é atravessada por inúmeras reflexões e reafirma ainda mais o lugar de destaque de Conceição Evaristo no cenário da literatura brasileira e afro-brasileira.
Ponciá Vicêncio, 2003
Ao mergulharmos na história de Ponciá, estabelecemos uma relação muito forte entre o passado e o presente; lembrança e vivência; e real e imaginário. O romance fundamenta teoricamente as discriminações raciais, de gênero e de classe. Adentramos nos caminhos, andanças, sonhos e desencantos da protagonista da história e o livro nos leva a analisar as raízes de seus sentimentos, assim como seus envolvimentos familiares e afetivos.
*Foto de capa: Mônica Imbuzeiro | Agência O Globo
Qual obra da autora marcou a sua vida?!
A mulher negra discriminada, empurrada para os becos da vida, para a cozinha da casa grande trás consigo a força de quem precisa lutar para sair dos espaços da discriminação. Assim na artes, na literatura, nas ciências, na política a mulher negra precisa lutar com unhas, dentes e atiçar os neurônios para sair da senzala e chegar á casa grande, ao mundo literário. Conceição Evaristo fez e faz esses saltos, desvios, essas saídas muito bem chegou à literatura com determinação, competência e se fez escritora respeitada,.
Conceição Evaristo é uma representante muito forte para a literatura afro-brasileira. Concordo com você! É importante reconhecermos as opressões para combatê-las – seja pela literatura ou seja pelo posicionamento. Fico feliz com sua reflexão, Elinete!Um beijo