Marlon James: “Eu não acredito na realidade, nós criamos nossa realidade”
Convidado da Flip, cita 7 autores que fizeram parte de sua formação como escritor.
O celebrado escritor jamaicano, Marlon James, é um dos destaques da Flip deste ano. O autor é vencedor do mais prestigioso prêmio de língua inglesa, o Man Booker Prize (2015). Ele veio ao país lançar seu novo livro “Breve história de sete assassinatos” e conversa amanhã no Auditório da Matriz com Paul Beatty sobre o grande romance americano. Nesta manhã, o escritor conversou com alguns jornalistas sobre suas obras, trajetória e autores que o inspiraram. Confira:
Flip e Lima Barreto: A diáspora africana na pauta principal da 15 festa literária vem após pressão de grupos sociais nos últimos anos. Esse movimento é legítimo ou ainda precisamos avançar muito mais?
Tudo isso é uma evolução, a gente não chega em um ponto onde já está tudo consertado e não precisamos mais nos preocupar. Toda ação é louvável, mas o processo contra a exclusão e o racismo é uma jornada, não uma meta final. É como nos Estados Unidos, muitas coisas são feitas, mas precisamos estar sempre atentos e vigilantes.
A sua obra une realidade, ficção e jornalismo, como fazer essa conexão?
Eu não acredito na realidade. Eu acho que nós criamos nossa realidade. Eu leciono escrita criativa nos Estados Unidos e eu sempre digo que até mesmo uma autobiografia é só a opinião de uma pessoa. Mas você precisa respeitar os eventos e os personagens históricos, mesmo sendo um romance. No meu livro todas as declarações que eu coloco do Bob Marley são declarações reais. Agora eu como romancista, me dou ao direito de criar outras coisas. Histórias que não são famosas que as pessoas às vezes deixam de lado. Eu estou interessado nas pessoas que a História não cobre.
Quais livros e autores construíram e inspiraram o Marlon de hoje?
Eu me inspiro muito em histórias em quadrinho: Batman, X-man… mas um momento de virada de página na minha vida foi quando eu li o livro de Salman Rushdie, Shame (Vergonha, na edição brasileira), eu fique na verdade insultado, raivoso, chocad, porque eu não sabia que era possível escrever daquela maneira. Tem um momento no livro, que ele diz que o personagem vai morrer daqui a pouco e daqui a quatro páginas o cara estava morto. Impressionante. Eu não sabia que podia escrever assim. Gabriel Garcia Marquez, uma vez disse, que sentia que tinha permissão para escrever. Ele recebeu a permissão para escrever. Eu acho que todos os autores tem esse momento. Para mim, foi com o Rushdie.
E também com James Joyce, uma autora jamaicana chamada Olive Senior, que escreveu, Summer Lightning; Toni Morrison, com Sula, foi uma grande influência; Gabriel García Márquez, com certeza, O mestre e a Margarida, de Mikhail Bulgakov e uma escritora chamada Jessica Hagedorn, que eu pensei “nossa que ótima escritora jamaicana”, mas ela era filipina. Se você mora em uma cidade portuária você sabe exatamente o que está acontecendo, pois as coisas acabam se repetindo e isso me deu a amplitude para escrever sobre a minha cidade.
O primeiro romance de Marlon teve 78 rejeições entre as editoras. Como foi lidar com isso?
A gente tem a ilusão que vamos escrever o primeiro romance, ele chegará ao mercado todos vão querer ler e leiloar; você vai ficar milionário e virar uma estrela. Só que essa é uma visão inocente. Não acontece. Eu tentava não pensar muito bem a respeito, não sei o que é melhor contabilizar as cartas rejeitas ou deixar para lá. Para mim foi devastador, eu deletei tudo, joguei tudo fora, fiquei arrasado. Eu só voltei a escrever quando participei de um workshop e tive que tentar reaver tudo o que eu tinha deletado, mostrei para a minha orientadora da época ela mostrou para o editor, eles amaram e o resto é história.
Eu estou interessado em pessoas que não estão na História”
Como suas histórias foram recebidas na Jamaica, as pessoas se identificaram?
Eu fiquei um pouco surpreso com a recepção, eu deixei a Jamaica em 2007, e acho que os jamaicanos aceitaram bem o livro. Ele foi um motivo para pensarmos o nosso passado. Na Argentina, por exemplo, muitas vezes os jovens não querem pensar nos anos 1970, que foi um período difícil e toda a ideia de deixar o passado para trás. Essa é uma oportunidade de ser honesto com tudo que aconteceu na Jamaica. As pessoas às vezes perguntam se eu durmo bem de noite, se eu não tenho medo de ser perseguido, mas a minha resposta é que não.