A Estante Convida: Rafael Sperling
Manual Básico para Como perdi meu “Manual Prático para Comprar Pão em Padaria” fiquei vários dias passando fome; acabei ficando muito fraco pra pensar e não consegui encontrar outros manuais essenciais como, por exemplo, o “Pedindo Pizza em Casa For Dummies” e o “Técnica e Arte de Fazer Pipoca”, além dos “Como Abrir uma Embalagem de Biscoitos Sem Destruí-la”, “Servindo Bebidas de Forma Civilizada”, “Cortando Bifes Como um Lorde Inglês”, e até o importantíssimo “Comprando Suprimentos no Supermercado: Uma Tarefa Possível”. Também não tenho tomado banho, pois não consigo mais acender o gás, e detesto banho gelado — queimei o meu “Acendendo o Gás sem Explodir sua Casa” numa tentativa frustrada. Estava tendo dificuldades de sair do meu quarto também, pois não conseguia mais achar o “Manual Técnico de Abrição de Portas”; ficava horas e horas seguidas passando a mão na maçaneta, alisando-a, coçando-a, socando-a, tamborilando-a, lambendo-a, masturbando-a, mas nada acontecia; a porta permanecia fechada. Consegui, por acaso, encontrar o “Como Chamar um Chaveiro Utilizando um Telefone Domiciliar”, que, por acaso, estava bem próximo à entrada de meu quarto. Após alguns dias escrutinando o volume único de 1.500 páginas, consegui entrar em contato com um chaveiro, que em 10 minutos apareceu em minha casa, e em poucos instantes abriu a porta da rua e a porta de meu quarto. Ele ficou um tanto irritado, pois na hora de pagar pelo serviço acabei me atrapalhando. Tive que ler alguns capítulos do “Pagando por Serviços com Dinheiro Vivo: Uma Aventura Sem Fim” com o chaveiro ao meu lado, impaciente. Após realizar o pagamento do chaveiro, me ative por alguns instantes no livro de bolso “A Arte Milenar de Dizer Tchau” e fiquei em dúvida sobre qual seria a melhor maneira de me despedir do chaveiro. Quando finalmente me decidi, notei que ele já havia ido embora e que a porta havia ficado aberta. O problema é que eu não havia comprado o “Manual Técnico de Fechação de Portas – Edição Expandida”, então tentei fazê-lo de diversas formas: cantando para a maçaneta, gritando com a maçaneta, chorando na maçaneta, aquecendo a maçaneta com um lança-chamas (após rápida leitura do “Como Transformar Seu Secador de Cabelo em um Lança-Chamas”), mostrando uma pintura renascentista para a maçaneta, babando na maçaneta, esfregando meu saco escrotal na maçaneta, contando piadas para a maçaneta (recitadas do “Manual do Manuel – Recitando Piadas Portuguesas de Forma Lusitana”), só para citar algumas das maneiras. Tentei até a exaustão. Acordei agora há pouco, exausto, em frente à minha porta aberta. Ouço um barulho e noto que um dos vizinhos se aproxima, o que me deixa um pouco inseguro. No entanto, não há nada a temer. Vejo que em suas mãos está a edição atualizada do “Interagindo com Vizinhos: Fazendo Deste Um Mundo Melhor”.
Rafael Sperling nasceu em 1985 no Rio de Janeiro. Estudou Composição na UFRJ. Compositor e produtor musical, é autor dos livros Festa na usina nuclear (2011) e Um homem burro morreu (2014), ambos pela Ed. Oito e Meio. Algumas de suas histórias foram publicadas em jornais, sites e revistas, como a Folha de S. Paulo, Jornal Rascunho, Machado de Assis Magazine, e foram traduzidas para o inglês, espanhol, francês, alemão, basco e catalão. Conheça o blog do autor.
Confira os livros de Rafael Sperling na Estante Virtual.
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